Poeira

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Localização: Lisboa, Portugal

músico-escritor de canções, nascido em 1975 na Praia da Barra, Portugal www.myspace.com/jorgecruzpoeira

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Elvis Pra Ganhar Tempo

A lua cortada a meio sobe no céu, a semana vai começar e ainda não falei do concerto com o Tiago Guillul, da viagem a Braga e Porto, das filmagens para o video do "Anda Menina". Já a seguir vou terminar a mistura e masterização da "Sessão de Sesimbra", o primeiro disco do João Coração, e gravar cinco canções para a Antena 3 que ainda não escolhi. Sobram 24 horas. Só sei que não haverá duas músicas de um mesmo disco. Assim sendo, resta-me fugir com o rabo à seringa e deixar aqui, por exemplo, a música que tenho ouvido mais vezes na última semana. Do empolgante "This Year's Model" (1978). Aqui vai a versão ao vivo de "Lipstick Vogue". Elvis Costello. Um tipo que não sabe estar parado e que, portanto, nunca se deixa apanhar.

sábado, 16 de fevereiro de 2008

Música pré 9/11


Foi há precisamente 10 anos que os Superego lançaram o primeiro disco "Quem Concebeu O Mundo Não Lia Romances". Dois anos depois, veio a gravação d"A Lenda da Irresponsabilidade do Poeta". Olhando para trás, recordo uma época bonita, plena de sonhos e inocência. Costumavamos ensaiar na Praia da Barra, em manhãs de nevoeiro, rodeados de um silêncio pachorrento que Fenders e Marshalls perfuravam com urgência. A propósito dessa comemoração, estão agora disponíveis os primeiros 6 temas para download no myspace, parte de um movimento de guerrilha cujo renascimento até a mim surpreende. E que encontra sentido reforçado no aparecimento recente de mais bandas do tal Novo Rock Português (como nós solitariamente lhe chamavamos no fim dos 90's), nomeadamente os amigos da Amor Fúria, da Flor Caveira e da Catadupa.

Sobre o que na época fizemos posso dizer que vejo esse tempo como outra vida. Não sinto propriamente que tenha sido eu a fazer aquelas coisas. Talvez por isso, olhar para os Superego a esta distância me faça achá-los, antes de mais, uma banda cómica. Eram uns putos com muita lata e não soavam igual a nada. Não se identificavam com o que os rodeava. Estavam interessados em desbravar caminho e aquilo que os esperava, inevitavelmente, era a crua e amarga realidade. Nada poderia ter valido mais a pena.

O Equívoco da Consistência

Acerca da consistência ética e estética que parece preocupar tantos artistas e opinadores que alicerçam o seu trabalho em fundações alheias à única coisa que os deveria preocupar (a expressão do que lhes é singular), deixo aqui as palavras inspiradoras de Ralph Waldo Emerson:
I. «Deus não tornará manifesto o seu trabalho pelas mãos de cobardes. Um homem sentir-se-à aliviado e alegre quando tiver depositado o coração no seu trabalho e tiver feito o seu melhor. Tudo o que alcançar de outra maneira não lhe trará nenhuma paz. É uma entrega sem entrega. Na tentativa, o seu génio deserta-o, nenhuma musa dele se aproxima; nenhuma invenção, nenhuma esperança.»
II. «Aquilo que eu tenho de fazer é tudo o que me cabe, não o que as pessoas pensam. Esta regra, igualmente árdua na vida prática ou na vida intelectual, deve servir para a distinção total entre grandeza e mesquinhez. Torna-se a regra mais difícil porque hão-de sempre existir aqueles que julgam saber qual é o nosso dever melhor do que nós. Porém, é fácil viver no mundo segundo as opiniões do mundo. E é fácil viver na solidão segundo as nossas opiniões. O grande homem é aquele que no meio da multidão mantém com perfeita doçura a independência da solidão.»
III. «A consistência tola é a fada das mentes pequenas, adorada pelos estadistas, filósofos e santidades. Uma grande alma não deve nada à consistência. Mais vale então preocupar-se com a sua própria sombra numa parede. Digam em palavras duras o que pensam hoje e e em palavras igualmente duras o que pensam amanhã, mesmo que contradigam tudo o que hoje disseram. 'Ah, e estejam certos de que serão incompreendidos!' É assim tão mau ser-se incompreendido? Pitágoras foi incompreendido, e Sócrates, e Jesus, e Lutero, e Copernico, e Galileu, e Newton, e todo e qualquer espírito puro e sábio que alguma vez encarnou. Ser-se grande é ser-se incompreendido»
In Self-Reliance, Ralph Waldo Emerson, 1841

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Socorro! Querem Fazer De Mim Um Artista!

Aquilo que separa Samuel Úria de todos os seus contemporâneos:

1) A ausência de procura. Picasso dizia: "Eu não procuro, encontro." Samuel Úria não parece interessado nem numa coisa nem noutra. Tem demasiada pinta para se preocupar com coisas triviais como o alcance material do seu talento. Assim, ele oferece ao mundo, antes de mais, a sua presença.

2) O genuíno conservadorismo. Para quem estiver familiarizado com a família FlorCaveira, digamos que o Samuel Úria tem a mesma dose de conservadorismo estético que o Tiago Guillul tem de instinto revolucionário.

3) O genuíno problema com a autoridade. Para quem estiver familiarizado com a família Flor Caveira, digamos que o Samuel Úria tem a mesma dose de irreverência que o Tiago Guillul tem de solidez cristã.

4) O conflito. Arte é conflito. É uma questão aristotélica. Em Portugal, muitos artistas estão demasiado confortáveis nas suas próprias peles. Daí que se possam dedicar a polir sonoridades. A fazer opções estéticas. Ou a aprender a dominar instrumentos musicais. Tudo assuntos laterais àquele que ocupa o centro. O conflito.
5) A verdade. Porque a verdade não se encontra nunca no que está explícito mas naquilo que fica por detrás das coisas. Assim, a verdade não é o que se lê, nem o que se percebe. É o que se pressente e que reside, por isso, sempre no mistério.

6) O mistério. Porque é o que nos prende à história. Se interessa, é interessante. E se, no fim, não obtivermos os dados completos, a matéria palpável que nos faria chegar a um entendimento ao qual se seguiria a aprovação ou não, não devemos sentir-nos defraudados. Pois ele (o mistério) é a própria história. Nada mais do que ele se pode aproximar da verdade.

Samuel Úria é um dos artistas de canções mais relevantes a aparecer em Portugal nas últimas décadas. Irá gravar novo disco no ano de 2008.

Declaração de Intenções II

Se há coisa de que o mundo não precisa é de mais um blogue à moda dos blogues. Posto isso, declaro que este blogue terá um propósito. Esse propósito terá um prazo. E esse prazo será breve. Mais ou menos o tempo compreendido entre a fecundação e o nascimento. Dizem que tudo se decide dentro do útero. Eu, quanto a isso, não tenho opinião formada.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Caderno do Átomo (cap. I)

A unidade de um ser pode tornar-se em qualquer coisa que deseje. Qualquer uma, por maior que pareça. A seus olhos e aos olhos dos outros. Por essa ordem. Mas só aos olhos, entenda-se. Tudo não passa de um jogo de percepções. As coisas, naturalmente, são só as coisas. Porém, no mundo dos homens são definidas pelas suas funções. Daí que quem entenda aquilo de que esse mundo se alimenta, fique imediatamente em posição de conquistá-lo. Não que esse seja um objectivo particularmente interessante.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Arte

Não consigo imaginar nada mais bonito ou admirável do que isto. Arte é equilíbrio, risco e superação. É rodopiar sem perder o centro. É encontrar o caminho nunca percorrido. É abandonar a rotina dos homens para provar o néctar dos deuses. Ninguém o conseguiu como este senhor. O maior de todos.

Lisboa, Menina e Moça

É já amanhã o concerto com o Tiago Guillul. Altura certa para todos aqueles que me vão perguntando "para quando um concerto em Lisboa?" se chegarem à frente para bem das suas reputações. É às 23 horas na Fábrica de Braço de Prata. Eu serei o primeiro a tocar. Pela razão mais simples do mundo: Monterey '67.
Sobre o que se irá passar terei oportunidade de deixar aqui qualquer coisa nos próximos dias. Passem por aí se não estiverem demasiado ocupados. De qualquer modo, e antes de mais, passem pela F. B. de Prata se quiserem saber que perguntas são essas a que alguns julgam saber responder.
Por agora, estava só a tentar lembrar-me onde é que já terei tocado aqui em Lisboa. Não são muitos sítios, para falar a verdade. Esquecendo as FNAC's - as caixas registradoras ficam demasiado perto do palco para contarem como concertos - houve os tempos do Ritz, com os Superego e o único concerto d'O Pequeno Aquiles, no festival Interferências, ano 2000, houve a Expo'98, dois concertos no Palco 6, houve o Fala Só, no tempo dos ciganos, eu e o Alexandre Mano tocando música tradicional e afins em 2001, e já neste disco "Poeira" o concerto último do B.Leza, em Junho de 2007. Finalmente, houve o tal concerto do Cefalópode com o Oli Silva e a Helena Madeira em Setembro. Um dia difícil de descrever. A melhor sensação que já tive em cima de um palco.
Acerca destes eventos passados, só uma coisa a fazer: pedir as mais sinceras desculpas àquele gentil rapaz que me emprestou a guitarra para terminar o concerto dos Superego no Ritz em 2001. Não sei quem é, nem por onde anda. Mas, agora que o tempo engoliu a raiva, ele que saiba que não foi por mal. Só quando cheguei ao camarim, deixando a guitarra atirada ao chão a gemer feedbacks, é que me lembrei que não era minha. A vida é assim, parece ter muitas razões, ou às vezes apenas uma: Monterey'67.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Não Pise A Relva!

Estávamos a inaugurar a casa de uns amigos. Era noite de Carnaval, o mundo lá fora reagia com avidez à possibilidade de se mascarar. Nós tínhamos montado uma mesa, parafuso por parafuso, desembrulhado pratos, cozinhado ali pela primeira vez. Agora desenrolhávamos nova garrafa de vinho. Foi nessa altura que alguém disse.
- O Henry Miller tornou-me uma pessoa diferente.
Nem era conversa que estivesse a acompanhar, mas deteve-me e fiquei a pensar. Não. Não é o caso. A mim, o Henry Miller tornou-me uma pessoa igual. Acontece com algumas obras, com alguns artistas. No fundo, eles surgem como simples companheiros de viagem, almas que nos confirmam, que nos acalentam e substituem o pensamento por uns instantes. Que nos mantêm a caminhar exactamente na mesma direcção. Com outros, terei descoberto novos mundos, novas mentes, novas possibilidades que me fizeram curvar, redireccionar o leme. Mas não foi esse o efeito do Miller. De tal forma que hoje em dia me sinto relutante em acabar de ler a sua obra. Seria uma perda demasiado grande. É que, com ele, posso entrar em piloto automático e deixar-me ir até ao infinito: o dia em que depois de uma caminhada tão longa, tão rica, tão atribulada se pode ser daquela maneira livre, isento, esmagador.
Como muitos grandes artistas, afirmados pela sua singularidade, Henry Miller foi engavetado num estilo. Porque é demasiado difícil admitir que não se entende, que não se tem tempo, que não se possui a coragem suficiente para fazer a viagem que ele propõe. Assim, romance erótico ou sexualidade são entidades que costumam aparecer nas linhas que aqueles que no carnaval se mascaram de entendidos escrevem sobre Henry Miller. É como o Lynch ser um realizador do absurdo, ou o Dylan um cantor de intervenção. Chamar-se-ia preguiça se, na verdade, não fosse puro medo.
Na minha opinião, o Henry Miller é um dos grandes pensadores do século XX, um aventureiro espiritual que queria saber sempre algo mais sobre o universo, sobre si próprio, sobre o nada que é uno com o tudo. É um expoente de topo do pensamento moderno americano que teve início nos transcendentalistas (Emerson, Thoreau, Whitman) e fez escola com outros vagabundos individualistas como Jack Kerouac ou Bob Dylan. É no fundo, só um velho companheiro. Um viageiro que amou a América e por isso a abandonou para se apaixonar por outros mundos, mais antigos e, de um outro modo, mais sábios. É um filósofo. Um bêbado. Um poeta. Um debochado. Um punk transgressor que de tanto insistir na vida acabou por morder-lhe as entranhas.

«Nasci fanático. Fanático! Lembro-me de me arremessarem essa palavra, desde a infância. Especialmente os meus pais. Que é fanático? É uma pessoa que acredita apaixonadamente e actua desesperadamente de acordo com aquilo em que acredita. Passei a vida a acreditar em qualquer coisa e, consequentemente, a meter-me em trabalhos. Quanto mais palmadas me davam nas mãos, mais firmemente acreditava. Eu acreditava - e o resto do mundo não! Se fosse só uma questão de suportar castigos, uma pessoa poderia ir acreditando até ao fim. Mas o mundo é mais insidioso do que isso. Em vez de sermos castigados, somos minados, escavados, tiram-nos o chão debaixo dos pés. Nem sequer estou a pensar em traição. É um negativismo que nos leva a exceder-nos, que nos obriga a consumir perpetuamente a nossa energia no acto de nos equilibrarmos. Somos tomados por uma espécie de vertigem espiritual, cambaleamos na beira do abismo, o nosso cabelo põe-se em pé e não podemos acreditar que debaixo dos nossos pés se estará a abrir um abismo incomensurável. Isto resulta de excesso de entusiasmo, do desejo apaixonado de abraçar as pessoas, de lhes demonstrar o nosso amor. Quanto mais estendemos os braços para o mundo, mais ele recua. Ninguém quer amor autêntico, ódio autêntico. Ninguém quer que ponhamos a nossa mão nas suas sagradas entranhas - isso é só para o padre na hora do sacrifício. Enquanto vivermos, enquanto o sangue ainda estiver quente, temos de fingir que sangue é coisa que não existe, que um esqueleto sob a cobertura da carne é coisa que não há. Não pise a relva! É obedecendo a esse lema que as pessoas vivem.
Se prolongarmos durante tempo suficiente o equilíbrio à beira do abismo, tornamo-nos peritos na matéria: seja para que lado for que nos empurrem, endireitamo-nos sempre.»
In Trópico de Capricórnio, 1939

sábado, 2 de fevereiro de 2008

Tiago Lacrau, vai comer o teu mingau!

Ponho-me a ouvir o "Wandering Spirit" do Mick Jagger depois do "Tiago Guillul IV". Mas, para surpresa minha, continuo no mesmo disco. Fico meio desorientado. É uma questão hormonal, começo a perceber. Seguir de um para outro é como andar em frente na mesma estrada. O novo disco do Tiago Guillul é talvez o álbum com mais testosterona alguma vez composto por um português caucasiano. E esse é um feito belo e profundo.
"Tenho dentes de lobo e pele de cordeiro/ Cabeça de pombo e feitio matreiro/ Sou um animal a quem Adão não pôs nome/ Só de barriga cheia é que sinto fome/ Não há injecção que acabe o meu cio/ A extinção seria um elogio". O Iggy Pop já tem sucessor. Acaba de abrir uma igreja em Benfica.