Poeira

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músico-escritor de canções, nascido em 1975 na Praia da Barra, Portugal www.myspace.com/jorgecruzpoeira

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Álbuns Do Ano 2008

A minha lista de álbuns do ano está ordenada por estimativa de número de audições. Não inclui discos portugueses porque são de tipos meus amigos, quase todos. Não inclui discos africanos ou de música sufi porque é difícil comparar terra com betão. Não inclui discos de jazz porque esses não têm comparação. Não é exclusiva a discos de 2008 porque não há cá andar a toque de caixa de edições discográficas. Não tem qualquer tipo de relevãncia a não ser a de partilhar convosco o que andei a ouvir este ano. Que, veja-se de que perspectiva se vir, não foi um ano qualquer. Posso assegurar-vos.


1. ELVIS COSTELLO - This Year's Model
Este é o meu disco do ano. Não poderei dizer propriamente "o que andei a perder este tempo todo", já que não teria havido momento mais certo do que este para me encher as medidas e tornar-se numa major influence pró que aí vem. Enquanto disco é tão perfeito como o "Nevermind", tão contagiante como o "Off The Wall", tão ácido como o "Blonde On Blonde". Tem lugar no Top 20 de Todos-os-Tempos.
2. MY MORNING JACKET - Evil Urges
Jim James: O Cantor do momento no meu book. Tudo aquilo em que toca, ganha brilho. Veja-se a versão do "Goin' To Acapulco" para a banda sonora do "I'm Not There". Há qualquer coisa de ingénuo nestes MMJ, na pureza e nos truques de diversão. Comecei por achá-los um bocado quadrados, mas a coisa entranhou-se. E de que maneira! Uma menção para a assertividade não-humorística das letras - directas ao desnorte emocional do novo milénio. E um aparte acerca da generalidade da crítica que reagiu a este disco com uma daquelas birrinhas infantis que caracteriza o seu habitual estado regressivo de desenvolvimento. "Evil Urges" é um disco muito mais importante do que "Z".
3. THE BLACK KEYS - Attack & Release
Mas que ganda bomba! Se eu quisesse entrar naquela onda publicação-musical-que-escolhe-álbum-do-ano-para-premiar-uma-certa-sonoridade this would be it, sem dúvida! Onde é que este Dan Auerbach ainda vai sacar riffs destes! Aqui está um gajo que fez O Pacto. Encontrou um velhinho numa estrada do Sul que lhe mostrou o caminho para os 50 últimos riffs clássicos de guitarra eléctrica. E o baterista? Que casalinho mais perfeito! Como diria o Ray LaMontagne: "Meg White you're all right/In fact I think you're pretty swell" Mas a verdade é que os Black Keys formaram-se para dar uma abada aos White Stripes.
4. YEASAYER - All Hour Cymbals
Devo dizer que respondo "sim" à pergunta "e a onda de Nova Iorque?". Antes de mais, foi Nova Iorque o cenário do evento traumático transformador do nosso tempo. E esta é uma cidade onde os movimentos que marcaram a cultura pop mundial (beats, folkies, punks) nunca foram vazios. Antes apresentaram artistas ricos, fracturantes e universais. Simpatizo com os TV On The Radio, deixo-me ouvir os MGMT, dou atenção às manigâncias infantilóides dos Vampire Weekend, mas foram os Yeasayer que me deixaram a pensar se seria possível metê-los numa misturadora com o Zeca Afonso, vendo tudo através dos óculos do Costello.
5. BOB DYLAN AND THE BAND - The Basement Tapes
Primeiro foram as canções de protesto, tinham grande atitude e eu era um Sartriano/i de primeira. Depois foram os Highway 61/Bringin' It All Back Home days. Aquilo é que era um novo mundo... Até que conheci uma miúda que me despedaçou o coração e alguém me gravou o "Time Out Of Mind". Desde então tornei-me um fiel mensageiro do Late Dylan. O Sábio, O Solitário, O Arrependido, O Desesperado. A minha vida nunca mais foi a mesma. A dele também não: bastou um livrinho e um documentário para voltar a ser o menino querido dos consensos mundiais. O ano de 2008 foi o meu ano "The Basement Tapes" numa altura em que já sou capaz de dizer 3 frases sem a palavra Dylan. Parece-me o disco certo para formar família.
6. THE LAST SHADOW PUPPETS - The Age Of The Understatement
Sou adepto inequívoco do talento puro do Alex Turner. Ainda que não imune a irritações quando verifico como para ele é demasiado fácil o que para os outros exige grande esforço.
7. KINGS OF LEON - Because Of The Times
Embora me veja como um conservador-classicista aderi a este disco com uma abundância que nunca dediquei ao retro-stoner-"Molly's Chambers"-one. O último "Only By The Night" é uma boring-try-to-outsell-out.
8. CAT POWER - Jukebox
Vi-a no Bla Bla em 2003. Pelos vistos era o Manel Fúria que estava a gritar que aquilo era uma vergonha. E era. Mas para alguns nunca é tarde para sharpen-up. É assim que se fazem versões! E o "Stuck Inside A Mobile" dela também está no top3 das melhores do "I'm Not There".
9. EDDIE VEDDER - Into the Wild
Quando vi o filme pela primeira vez desconfiei das lágrimas que me chegaram. A reconquista da natureza. Os olhos do Sean Penn. Melodias libertadoras na voz do Eddie Vedder. Era como comer carapaus assados no quintal dos meus avós. Não havia distância. Até que os meses trouxeram outras paisagens e foi ficando a vontade de voltar.
10. FLEET FOXES - Fleet Foxes
Ainda estou em fase de descoberta disto. Mas quase não ouço outra coisa. Não só é um óptimo disco como é ainda uma outra resposta para as perguntas que me andei a fazer durante o ano: às quais tento responder em conjunto com os compadres roqueiros do Diabo Na Cruz. Merece este destaque. Barata e Fachada, aprontem-se. Vamos continuar a cantar.
11. VAN MORRISON - Moondance
"It's a marvelous night for a moondance". Tantas vezes.
12. BILLIE HOLLIDAY - Lady In Satin
Comprei o vinil em Londres mas fiquei sem ele numa dessas partilhas separatistas. Foi ano de pôr o cetim em dia. By the way, isto não é um disco de jazz mas sim de classic-popular-song.
13. LEONARD COHEN - I'm Your Man
Demorei a atravessar estes sintetizadores sem sofrimento: em direcção ao álbum mais sólido, portentoso e intocável do mestre Cohen.
14. BOB MARLEY - Exodus
Descobri que afinal ele era grande demais para caber numa esplanada de Verão quando comecei a fumar ganza. Mas quando me deixei disso é que usufruí plenamente da sua grandeza libertadora.
15. TOM WAITS - Mule Variations
Ou Swordfishtrombones, ou Heartatack and Vine, ou Blood Money, ou Heart Of Saturday Night, ou Small Change, ou Alice, ou Orphans, ou Blue Valentine.
16. THE CLASH - The Story Of The Clash
Vi o documentário do Joe Strummer e formei uma banda-exército.
17. SADE - Todos
Sempre.
18. SHARON JONES - Naturally
Este foi o meu ano Rádio Marginal. Não sei porquê... Os saxofones com reverb estiveram em alta. Sharon Jones: entre Aretha e Winehouse.
19. JAKOB DYLAN - Seeing Things
"It´s hard to admit but it's easy to tell/That Evil is alive and well". Este Dylan é um Dylan.
20. BON IVER - For Emma, Forever Ago
Metade das audições deste disco deve-se à defesa veemente do Guillul. Concedo-lhe a razão. Mas ainda acho que este tipo anda a imitar o Fachada.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Caderno do Átomo (Cap. III)

No primeiro capítulo do Caderno do Átomo escrevi algures em Fevereiro:
«A unidade de um ser pode tornar-se em qualquer coisa que deseje. Qualquer uma, por maior que pareça. A seus olhos e aos olhos dos outros. Por essa ordem. Mas só aos olhos, entenda-se. Tudo não passa de um jogo de percepções.
As coisas, naturalmente, são só as coisas. Porém, no mundo dos homens são definidas pelas suas funções. Daí que quem entenda aquilo de que esse mundo se alimenta, fique imediatamente em posição de conquistá-lo. Não que esse seja um objectivo particularmente interessante.»
Retomo a ideia quase um ano depois.
Há uma secção de artistas e pensadores que não vêem distinção entre forma e conteúdo. De certo modo, defendem que uma coisa é a mesma que a outra, ou que estas são absolutamente interdependentes. Consigo reter-lhes a perspectiva. Mas continuo a preferir o corredor em direcção ao centro das coisas. Aceitando que esse é um lugar onde ninguém tem razão e tudo não passa de um sopro. Simples e essencial.
Para libertar o sopro é necessário eliminar o ruído que nos impede de chegar até ele. Este não é um conceito fácil. Dado que esse ruído como aterro de migalhas é tantas vezes aquilo que alimenta o universo do que nos rodeia e representa. Sem que tenha sido por nós escolhido, este é um tipo de som que inicialmente pode parecer muito atraente. Mas trata-se de um discurso ruidoso que nos escolhe ou rejeita a partir da periferia. Sem sequer visitar o centro. Nem em expediente, nem em férias, nem na véspera de natal. Nunca. Isto não o torna bom ou mau. Torna-o simplesmente desinteressante.
Poderão inquirir: mas quem és tu para falar de um centro abstracto e invisível como se estivesses em posse esquizofrénica da chave para os seus princípios? E a resposta será: ninguém. Sou só um tipo a fazer o seu caminho. Um caminho que traz boas paragens no meio do monte para ceias onde todos estão convidados mas nem todos se podem sentar à mesa. Que venham os desenraízados, os bêbedos e os perdidos. Tragam pão os crentes, os possuídos, os perfeitamente saudáveis, os brutos e os insanos. Sirvam vinho os vaidosos e arrogantes se forem simples no privado. Discursem os originais, os fora-de-moda, os visionários e os cegados pela luz. Os mal vestidos falem-nos das suas roupas. Os bem vestidos riam-se de si próprios que riremos juntos. Sentem-se todos aqueles que são tão diferentes uns dos outros que só podem ter algo a ensinar. Mas que me desculpem certos fidalgos, procuradores e alcaides se sinto não ter nada a aprender com os seus comentários afinados, orgias recalcadas e demais coisas pequenas. É mesmo uma questão de tempo. É que tenho de ir andando.
Até já.